Jejum intermitente: o que é, quais os benefícios e como fazer
O jejum intermitente é um tema cada vez mais falado mas que levanta algumas dúvidas, nomeadamente para que serve e como deve ser feito.
De forma sucinta, o jejum intermitente é uma estratégia que implica que uma janela temporal mínima de 12h na qual não comemos, podendo esta janela chegar às 18h ou até mais. O jejum intermitente pode estar, ou não, associado a uma restrição calórica (muitas vezes associada a perda de peso). Não é, por isso, uma estratégia exclusiva para quem procura perder peso! Na verdade, é uma estratégia de regeneração do nosso corpo.
Mas nada melhor do que um especialista da área de saúde para nos ajudar a desmistificar o jejum intermitente e explicar quais são as suas reais vantagens para o corpo.
Por isso, convidámos a nutricionista Mafalda Almeida para elaborar um artigo sobre este tema!
A Mafalda é fundadora Loveat, uma plataforma onde aborda diversos temas relacionados com nutrição e partilha várias receitas saudáveis e nutritivas. É também autora de 3 livros de receitas e de um podcast sobre alimentação saudável, no qual já abordou o tema do jejum intermitente. Vamos a isso?
Vantagens do jejum intermitente
No ano de 2019 foi feita uma meta análise de 12 artigos, com 545 pessoas, que concluiu que o jejum intermitente está associado a uma redução do índice de massa corporal, da glucose sanguínea em jejum e da resistência à insulina. Além disso, diminui a percentagem de massa gorda corporal não comprometendo a percentagem de massa magra. Os autores conseguiram concluir que o jejum intermitente pode ter efeitos benéficos no organismo, no entanto, ainda são precisos mais estudos para que se possa dizer que este é um método mais saudável do que o tradicional, ou seja, de consumirmos energia de acordo com o nosso ritmo circadiano, começando com um bom pequeno-almoço e reduzindo a ingestão calórica ao longo do dia. Mas, se pensarmos bem, podemos aliar os dois e ter um duplo efeito benéfico. Até porque, quando passamos por períodos de escassez alimentar, estimulamos a regulação de um gene que influencia a qualidade do nosso sono e, como vimos, o sono é extremamente importante para a longevidade. Ajustar o período de jejum com o ciclo do sono (por exemplo, desde as 21h até às 9h), poderá ter um efeito benéfico tanto na qualidade do sono como na regulação do peso e gordura corporal.
As nossas mitocôndrias preferem usar gordura como fonte de energia, no entanto, como estamos sempre a consumir alimentos que nos fornecem hidratos de carbono, elas acabam por usar antes esta fonte energética. Isto não nos permite “gastar” gordura corporal e faz com que, apesar de termos um peso saudável, possamos estar constantemente a acumular massa gorda corporal. Além disso, se estivermos sempre a ingerir açúcares e proteínas antes de atingirmos um estado de fome, o corpo está constantemente a produzir insulina para metabolizar estes nutrientes causando, a longo prazo, ganho de peso, diabetes mellitus tipo 2, diminuição da esperança média de vida e diminuição da qualidade de vida. Outro benefício reconhecido do jejum é o facto de este ajudar a ativar um gene, geralmente ativado quando estamos a dormir. Ou seja, a restrição calórica pelo jejum, tem provado ajudar a regular os padrões de sono e o nosso ritmo circadiano, tão importantes para a longevidade.
A nível intestinal
Uma das coisas que acontece quando reduzimos a ingestão calórica, é que reduzimos drasticamente o crescimento e a reprodução bacteriana. Além disso, reduzimos a ingestão de lectinas e aumentamos o estímulo para que as bactérias da flora intestinal produzam muco. E, quanto mais muco temos, mais grossa é a barreira protectora intestinal. Ou seja, a restrição calórica associada ao jejum, poderá ter efeitos benéficos para a integridade da parede intestinal.
A nível das células estaminais
Além disso, quando envelhecemos, as nossas células estaminais perdem a capacidade de se regenerar, a não ser que sejam encorajadas a isso. E o processo de cetose é um dos poucos que tem a capacidade de encorajar esta regeneração. A cetose é um estado metabólico no qual o organismo produz energia a partir da gordura armazenada no corpo. Ou seja, fazer jejum usando a gordura como fonte de energia ajuda a regenerar estas células estaminais, que terão depois a capacidade de se transformar no tipo de célula que o corpo mais precisa. Isto é importante sobretudo porque, à medida que envelhecemos, o nosso sistema imunitário vai ficando cada vez mais fraco. Se tivermos células estaminais em boa quantidade, elas irão transformar-se em células do sistema imunitário reforçando as nossas defesas. Além disso, sabe-se hoje que as células estaminais são importantes para manter o comprimento dos telómeros ao longo dos anos. Como estas células se encontram, sobretudo, na parede intestinal, a ligação entre um intestino saudável e o comprimento dos telómeros é notória e muito importante para evitar o envelhecimento. Um estudo da Universidade do Winsconson-Madison e do Instituto Norte Americano do Envelhecimento concluiu que os primatas que ingeriam dietas mais reduzidas, ganharam 3 anos de vida face aos que comeram sem qualquer tipo de restrição. Aplicando isto para seres humanos, seria o equivalente a ganharmos 9 anos de vida.
Tipos de jejum intermitente
O Jejum intermitente é uma forma de alimentação cada vez mais estudada nos dias que correm. É referenciado em inúmeros livros sobre anti-envelhecimento, diabetes, doenças cardiovasculares, obesidade e até depressão.Existem muitas abordagens diferentes dentro do que se considera um jejum intermitente, nomeadamente:
– Dias alternados de jejum: Dias em que se come normalmente alternados com dias inteiros de jejum (24h)
– Dias alternados de jejum modificados: Dias em que se come com um défice calórico de 25% alternados com dias inteiros de jejum (24h)
– Jejum com tempos de restrição: Fazer 12 a 18h de jejum intervalados com períodos de consumo alimentar
– Jejum periódico: Fazer jejum 1 a 2 dias por semana
O jejum intermitente não é igual para tod@s
Apesar de ser uma prática que uso bastante nas minhas consultas, o jejum intermitente não deve ser usado da mesma forma por todos. Para os meus pacientes que têm uma rotina alimentar exemplar durante a semana mas que, ao fim de semana, fazem refeições mais calóricas, recomendo o jejum intermitente de 15 a 16 horas apenas aos fins de semana, para que a energia consumida a mais seja aproveitada. Isto significa que, terminando de jantar às 22h, por exemplo, voltariam apenas a almoçar no dia seguinte às 13h ou 14h. Para os meus pacientes que fazem muitas viagens de trabalho durante a semana ou têm muitos almoços ou jantares durante a semana, recomendo dias específicos de jejum intermitente até 16h, por vezes intervalados, ou então, semanas inteiras com períodos de jejum diários de 12h. A melhor abordagem do jejum intermitente dependerá sempre do estilo de vida de cada pessoa e da forma como se alimenta diariamente.
Desmistificar o jejum intermitente
Mas, quando se fala em jejum, parece que levantamos uma onda de pensamentos restritivos. A ideia não é restringir, é rentabilizar o que pode ter sido consumido a mais ou que está a mais, visto que, em períodos de carência energética, o nosso corpo usa a gordura corporal como fonte de energia. É por isso que o jejum intermitente ajuda a perder massa gorda corporal.
Uma das desvantagens que os meus pacientes que fazem jejum intermitente mais apontam é que, quando este termina, sentem uma maior tendência para ter um episódio de fome emocional ou fazer escolhas menos adequadas. Muitas pessoas que o fazem reportam que, à noite, sentem uma grande necessidade de consumir doces. No entanto, o que observo na minha prática clínica é que, mesmo para os pacientes que não fazem jejum intermitente, o fim da tarde e a noite são sempre os piores períodos do dia e em que as escolhas alimentares são mais desajustadas.
O que considero mais importante é que, aplicando o jejum intermitente ou não, os alimentos que consumimos em cada altura do dia devem ser escolhidos em função do nosso nível de atividade. Se começarmos o dia com alimentos demasiado doces, a tendência para ter vontade de comer doces e petiscar ao longo do dia, e sobretudo à noite, será muito maior. E isto acontece em inúmeras tendências alimentares. Fazer jejum intermitente pressupõem que durante o período de consumo alimentar as escolhas são equilibradas, ricas em fibras, boas fontes de gordura e de proteína e pobres em açúcar. Esse é um dos segredos para que este método funcione. Não vale a pena fazer jejum de comer fast food ou ingerir sempre as mesmas calorias durante o período de consumo, mas depois fazer jejum intermitente. Se o objetivo for a perda de peso, sobretudo sob a forma de gordura corporal, o jejum intermitente deve estar associado a boas escolhas alimentares e a défice calórico.
Dicas finais
Para pessoas que queiram experimentar o jejum intermitente, gostava apenas de deixar uma nota importante. Café sem açúcar, água com limão ou chá sem açúcar não quebram a produção de corpos cetónicos mas quebram o jejum. Ou seja, é possível rentabilizar a utilização de massa gorda como fonte de energia bebendo apenas um café sem açúcar de manhã. Mas, batidos, suplementos ou sumos de fruta e vegetais, como contêm hidratos de carbono, proteína ou gordura, quebram o período de jejum intermitente e a produção de corpos cetónicos. Para fazer um jejum mesmo deve ingerir apenas água. Para usar massa gorda como fonte de energia pode beber chá ou café sem açúcar e água, até à sua próxima refeição.
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